Censo: Adeptos de religiões afro triplicam em 10 anos no Brasil; Babalaô explica
Percentual de pessoas que se declararam seguidoras de religiões afro-brasileiras subiu de 0,3% para 1%

O número de adeptos de religiões afro-brasileiras, como umbanda e candomblé, triplicou em dez anos, segundo dados do Censo do IBGE divulgados ontem. A proporção desse grupo subiu de 0,3%, em 2010, para 1% da população em 2022. Por outro lado, o percentual de espíritas caiu: ou de 2,2% para 1,8% dos brasileiros no mesmo período.
O percentual de umbandistas e candomblecistas é o maior registrado na série histórica, que começou em 1980. Naquela época, 0,6% da população se declarava adepto dessas matrizes. De acordo com o babalaô Ivanir dos Santos, presidente da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, a baixa representatividade observada no período coincide com o surgimento e avanços das igrejas neopentecostais.
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— O crescimento dos neopentecostais ocorreu justamente nos anos 80, com a chegada da Igreja Universal, por exemplo. Foi a época dos programas na rádio, na grande mídia, que demonizavam os cultos afro-brasileiros — explica.
Já no caso do espiritismo, as oscilações foram maiores. Em 1940, quando a religião começou a ser mapeada, 1,2% da população se dizia pertencente. Depois de 1980, período em que foi registrada a menor proporção de seguidores (0,8%), a vertente foi crescendo até apresentar nova queda em 2022.
Para dos Santos, o crescimento das religiões de matriz africana não significa necessariamente conversão, mas um maior orgulho em assumir suas crenças. De acordo com o babalaô, antes muitos brasileiros que eram de umbanda se diziam espíritas, num movimento para se proteger da perseguição que tem sido ressignificado graças aos movimentos antirracistas na política e em expressões culturais como música, teatro e novelas.
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— Inegavelmente, cresceu a luta contra a intolerância religiosa e a valorização das pertenças afro-brasileiras. Hoje, vemos cada vez mais jovens usando fios de conta na rua e afirmando que intolerância religiosa é crime. Isso é muito simbólico. Há algumas décadas, várias casas aram a se identificar como kardecistas para escapar da repressão. Agora, há um processo de retomada dessas identidades — explica.
O babalaô ressalta ainda que o número de pertencentes a esses grupos pode ser ainda maior, visto que o Brasil tem os chamados afro-católicos: descendentes de africanos que frequentam a missa, mas mantêm práticas religiosas de matriz africana. Muitos desses casos são subnotificados nos censos, por medo ou por falta de reconhecimento.
Gaúchos lideram
O Rio Grande do Sul reúne a maior proporção de praticantes de umbanda e candomblé. No estado gaúcho, 3,2% de pessoas declararam ser deste grupo ou de outras tradições afro-brasileiras. Há uma década, o estado já ocupava o primeiro lugar entre esse grupo.
Esse número é bem maior do que em estados com predominância de pessoas pretas ou pardas, como a Bahia e o Rio de Janeiro, que possuem 1% e 2,5%, respectivamente. Nas capitais destes três estados, Rio possui 3,6% da população de umbanda e candomblé, 6,4% em Porto Alegre e 2,8% em Salvador.
Além de mais pessoas, ocorreu também uma interiorização dessas religiões. Em 2010, quase 4 mil cidades do país não registravam nenhum adepto da umbanda do candomblé. Já em 2022, esse número caiu para 1,8 mil, menos da metade do patamar de 12 anos antes.
Três municípios gaúchos lideram o ranking nacional de maior proporção de adeptos da umbanda e candomblé no país: Cidreira, Rio Grande e Viamão. Os três com 9,3% da população se identificando como parte deste grupo religioso.
Em Viamão, município com 224.112 habitantes, na região metropolitana de Porto Alegre, onde metade da população se identifica como católica, o percentual de identificados com religiões de matriz africana a o de espíritas. Pai Roberto de Bara, de 70 anos, tem uma casa de religião no município há quatro décadas. O local liderado por ele tem práticas de quimbanda, umbanda e nação, o batuque gaúcho, versão regional do candomblé. No ano ado, Viamão ou a ter uma lei tornando práticas e saberes ancestrais de povos e comunidades de matriz africana como parte de seu patrimônio cultural.
— Quando eu cheguei, já tinha religião de matriz africana, hoje temos umas 6 mil casas de religião no município’’, diz ele que é hoje presidente do Conselho Municipal do Povo de Terreiro. — O conselho trata diretamente sobre políticas públicas, isso é muito importante. Nossa maior demanda ainda é o combate ao preconceito.
Pai Roberto, que se identifica como pardo, acredita que a origem através de negros escravizados pode explicar como estas religiões criaram raiz no estado, mas destaca a presença de brancos nestes espaços. O Censo de 2022 aponta que a maioria das pessoas que se identifica entre as religiões afro-brasileiras se autodeclara branca — 42,7%, seguida dos pardos (33,1%).
Espiritismo em Goiás
Apesar de a maior proporção de espíritas ser encontrada no Rio de Janeiro (3,5%), a cidade de Palmelo, em Goiás, é o local onde a religião é a mais presente. No município, que tem uma população de apenas 2.258 pessoas, é comum encontrar pelo caminho forasteiros que buscam tratamentos espirituais, conselhos mediúnicos ou um alívio para os problemas terrenos.
Segundo o Censo, 42,6% dos moradores de Palmelo com 10 anos ou mais se declaram espíritas. Referências espíritas estão espalhadas por diversos pontos da cidade, seja nas avenidas que levam os nomes de Allan Kardec e Emmanuel (espírito mentor de Chico Xavier), na Escola Espírita Jerônimo Candinho ou na Drogaria Nosso Lar. A fé também movimenta a economia local, já que viajantes de diferentes cantos do país costumam ar semanas, ou até meses, hospedados em pousadas de Palmelo durante os tratamentos espirituais.
A explicação está na própria origem do município: Palmelo nasceu de um centro espírita e, ao redor dele, cresceu. O Centro Espírita Luz da Verdade (CELV), fundado em 1929, deu origem a um povoado que foi emancipado como município em 1953. A criação do templo contou com o apoio do líder religioso Jerônimo Cândido Gomide, conhecido como Jeronymo Candinho, que permaneceu à frente da instituição por 45 anos.
Desde então, o local mantém suas portas abertas aos fiéis, de segunda a segunda. O centro é presidido há 15 anos pelo médium Barsanulfo Zaruh da Costa, de 61 anos. Espírita de berço, Barsanulfo conta que chegou a Palmelo ainda durante a gestação da mãe, que na época morava na vizinha São Miguel do a Quatro, a cerca de 60 quilômetros dali. Ela buscava tratamento espiritual na cidade para aliviar “angústia e dores”. Hoje, o centro conta com cerca de 300 médiuns voluntários, e seu reconhecimento ultraa as fronteiras do município, atraindo brasileiros e estrangeiros, anônimos e famosos.
— Recebemos pessoas de vários lugares, recebemos católicos e evangélicos. É como se você viajasse sem sair de casa — declara Barsanulfo.